A realidade é subjetiva.
O mundo existe dentro da sua cabeça, é uma percepção.
O que é real para mim pode não ser real para você.
Esses são alguns dos pilares que sustentam a ideia de multiplicidade. A multiplicidade é a formação de duas ou mais identidades separadas dentro de um corpo só. Essas identidades podem ter sido formadas por trauma – no caso de pessoas com o diagnóstico de transtorno de identidade dissociativa – ou de maneira saudável, e às vezes até voluntária, como em alguns praticantes de chaos magick e tulpamancers. Alguns sistemas têm origens mistas.
O outro pilar que sustenta a ideia de multiplicidade é a dissociação.
A dissociação é um spectrum. Não é exatamente uma linha sequencial, mas um emaranhado de fios que se juntam em muitos pontos. Ela é geralmente dividida entre “saudável” e “patológica” (que também são termos relativos): sonhar acordado é um tipo de dissociação saudável; a alteração da percepção da realidade, por outro lado, é tida como patológica. Todo mundo sonha acordado, de um grau a outro, e até existe algo chamado “devaneio excessivo”, que é uma forma de sonhar acordado considerada patológica.
A dissociação se divide em algumas categorias: amnésia, desrealização, despersonalização e alteração de identidade.
Amnésia é geralmente tida como a perda de tempo, no sentido de a pessoa não se lembrar o que ela fez ou o que aconteceu em um espaço temporal. Ela tem diversos subtipos, mas essa definição é a que consegue englobar tudo. Desrealização é difícil de definir, mas é algo que envolve o sentimento e a ideia de que o mundo ao seu redor não existe. Despersonalização é semelhante, mas é o seu corpo, seu próprio ser que não parece real. A alteração de identidade – e, muitas vezes, uma parte da confusão de identidade – é quando existe uma mudança significativa e muitas vezes repentina na sua personalidade, que pode contradizer a “versão” anterior.
Cada um sente cada tipo de dissociação de maneira diferente, e em graus diferentes. Pessoas múltiplas podem experienciar qualquer tipo de dissociação, assim como pessoas unas.
O que torna alguém múltiplo é a presença de uma segunda consciência que não necessariamente altera a identidade, mas que seja separada de quem está no corpo. Essa segunda personalidade pode estar dentro de um mundo interno, ter uma aparência diferente, um modo de falar, uma vida completa, e nunca ser aquele que troca de lugar com a outra personalidade, isto é, nunca “controla o corpo”.
(Eu acho meio problemático separar mente de corpo, por isso uso aspas, mas isso é outro assunto.)
Aqui vale a pena diferenciar entre uma segunda consciência e um personagem. Enquanto essa segunda consciência pode surgir de um personagem – alguém inventado pela consciência original – o que diferencia as duas coisas é a autonomia. Se esse personagem tem uma vida própria que o original não controla, se ele fala sem ser chamado ou se responde sem a outra personalidade controlar o que ele diz, isso é um indício de autonomia. A autonomia, no entanto, não é algo que acontece imediatamente, mas é algo que pode acontecer de maneira natural.
Pessoas múltiplas costumam dividir suas consciências em sistemas. Existem alguns tipos de sistemas, que ditam a maneira em que as consciências funcionam: plural, median e portal (gateway, em inglês).
O sistema plural é aquele em que as consciências conseguem tomar as rédeas do corpo físico e interagir com o mundo fora da mente de maneira autônoma. Median é quando existe uma área cinzenta entre os membros do sistema; às vezes cada consciência apenas influencia no comportamento de quem está no controle, como facetas; às vezes são membros independentes que não conseguem tomar controle. Um sistema pode ser plural e depois se tornar median ou vice-versa.
Os sistemas portais são tidos como membros que fazem parte de outras dimensões ou mundos – que podem existir apenas dentro da cabeça da consciência “original” – e que usam o corpo físico como um meio de interação entre si mesmos ou com o exterior. Podem ser medians ou plurais.
É bom lembrar que nem todo mundo que tem personagens com vida própria se considera múltiplo. Nem todo mundo que tem vozes contraditórias dentro da cabeças se considera múltiplo. Multiplicidade, como qualquer outro rótulo, é uma questão de identidade.
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